Ministério Público na defesa do consumidor. Cláusulas Contratuais Gerais. Decisão do STJ. MP na Procuradoria Cível de Lisboa.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 2013, transitado, confirmando a posição do Ministério Público, decidiu, sumariando, que:

I - As cláusulas que integram as denominadas condições gerais da apólice nos contratos de seguro, enquanto vertidas em contratos de adesão, são de qualificar como cláusulas contratuais gerais, nos termos previstos nos arts. 1.º, 2.º e 3.º do DL n.º 446/85, alterado pelo DL n.º 220/95, de 31-08 e pelo DL n.º 249/99, de 07-07.

III - Em contrato de seguro do ramo vida a cláusula que imponha ao beneficiário a demonstração desta sua qualidade não inverte as regras do ónus da prova.

IV - Nos contratos referidos em I a actuação de boa-fé – enquanto princípio normativo/regra de conduta que deve ser escrupulosamente observada pelos contraentes – exige a adopção de critérios de maior exigência, lisura, lealdade e salvaguarda da parte mais fraca, sendo violado quando haja uma desproporção injustificada entre o que é visado pelo proponente e o que é imposto ao aderente e/ou beneficiário.

V - É nula, por violação de tal princípio, a cláusula que impõe ao beneficiário do seguro a junção de elementos protegidos pelo direito à reserva da vida privada, designadamente relatório médico onde constem elementos clínicos que causaram o falecimento – sujeitos a sigilo médico e a autorização pela Comissão Nacional de Protecção de Dados –, quando em todos os contratos em que a mesma é aposta existe uma outra cláusula em que o segurado, autoriza o médico da seguradora a obtê-los.

VI - A acção inibitória assume a feição de declaração negativa, incumbindo ao réu o ónus probatório dos factos constitutivos do direito que se arroga (art.º 343, n.º 1, do CC).

VII - Não logra tal prova a Seguradora que, em face do manifesto desequilíbrio imposto ao beneficiário, referido em V, apenas prova que com tal cláusula pretendia que o beneficiário demonstrasse o seu direito de accionar o seguro.

VIII - Cláusulas ambíguas são aquelas cuja clareza não é total, possibilitando interpretações diversas.

IX - São ambíguas as cláusulas que, ao estabelecerem o foro competente, remetem para “o local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações”.

X - Face à sua natureza ambígua às regras do ónus da prova nas acções inibitórias, incumbia à Seguradora alegar e provar que de todos os sentidos – incluindo o mais desfavorável ao aderente/beneficiário – em que estas podiam ser interpretadas não resultava qualquer desequilíbrio para estes.'




A acção foi intentada pelo Ministério Público da Procuradoria Cível de Lisboa nos Juízos Civeis de Lisboa contra a seguradora CNP Barclays Vida y Pensiones Companhia de Seguros, S.A. – Agência Geral em Portugal.

O Ministério Público obteve provimento na 1ª instância, tendo a ré recorrido e obtido provimento na Relação de Lisboa.

O Ministério Público na Relação interpôs recurso para o STJ, obtendo provimento.



Acompanhando o STJ a posição sustentada pelo MP e confirmando a sentença proferida em 1ª instância, ficam em consequência declaradas nulas:



1 - As cláusulas 13.ª, n.º 2, alínea b), das condições gerais dos contratos Seguro Barclays Vida Individual, Seguro Barclays Vida Dois, Seguro Barclays Vida Individual – 3 Capitais, Seguro Barclays Protecção Vida Individual e Seguro Barclays Protecção Vida Dois; e as cláusulas 12.ª, n.º 2, alínea b), das condições gerais dos contratos Seguro Barclays Prémio Único Individual e Seguro Barclays Prémio Único Dois; as quais têm o teor seguinte:

“2. O pagamento das importâncias seguras, sempre que a ele houver direito, será efectuado ao Beneficiário da respectiva garantia, no prazo máximo de trinta (30) dias úteis após a entrega dos documentos comprovativos da identidade e qualidade de Beneficiário e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber:

(…)

b) Atestado Médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte”;

por violação do disposto nos artigos 15.º, 16.º e 21.º, alínea g), todos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;



2. As cláusulas 7.ª, n.º 1, alínea c), e n.º 2, e 6.ª, n.º 1, alíneas a) e b), das coberturas complementares de morte por acidente e por acidente de circulação e de morte por enfarte do miocárdio do contrato Seguro Barclays Vida Individual – 3 Capitais; as quais têm o teor seguinte (respectivamente):

“1. Em caso de morte por acidente da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador:

(…)

c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte.

2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte

resultou de um acidente”;

“1. Em caso de morte por acidente de circulação da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador:

(…)

c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do

falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte.

2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte

resultou de um acidente de circulação”;

“1. Em caso de morte por enfarte de miocárdio da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador:

a) Relatório do médico ou médicos assistentes, dando informações sobre antecedentes de dores peitorais típicas, alterações recentes do electrocardiograma, aumento das enzimas

cardíacas;

b) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, a relação causa/efeito entre enfarte do miocárdio e a morte”;

por violação do disposto nos artigos 15.º, 16.º e 21.º, alínea g), todos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;



3. As cláusulas 22.ª das condições gerais dos contratos Seguro Barclays Vida Individual, Seguro Barclays Vida Dois, Seguro Barclays Vida Individual – 3 Capitais, Seguro Barclays Protecção Vida Individual e Seguro Barclays Protecção Vida dois; as cláusulas 21.ª das condições gerais dos contratos Seguro Barclays Prémio Único Individual, Seguro Barclays Prémio Único Dois, Barclays ultimanager e Barclays Portfolio; a cláusula 16.ª das condições gerais do contrato Barclays Poupança; as cláusulas 18.ª das condições gerais dos contratos Barclays investimento, Barclays PPR e Barclays PPR Rendimento; e a cláusula 19.ª das condições gerais do contrato Barclays PPR Rendimento Garantido; as quais têm o teor seguinte:

“O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o do local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações”;

por violação do disposto nos artigos 15.º e 16.º, ambos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;



Fica a seguradora condenada a abster-se de se prevalecer das identificadas cláusulas em contratos de seguro do ramo Vida já celebrados, bem como de as utilizar em contratos de seguro do ramo Vida que de futuro venha a celebrar (cfr. artigo 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro).