Mensagem da PGDL aos magistrados, por ocasião das Férias Judiciais de Verão<br>

MENSAGEM AO DISTRITO



Senhores Magistrados,



Iniciou-se, no passado dia 15 de Julho, o período de férias judiciais de verão.



Pese embora toda a efabulação em torno das férias judiciais e da sua coincidência com as férias dos magistrados, a verdade é que Agosto é, por excelência, o nosso mês de férias, como acontece, aliás, com a generalidade da população portuguesa. Ao longo de todo o mês de Julho um número significativo de magistrados e de oficiais de justiça esteve ao serviço.



Disse, no almoço de verão do Tribunal da Relação de Lisboa que, se quisesse exprimir em duas palavras o sentimento que perpassa muitos de nós, relativamente ao tempo que vivemos escolheria intranquilidade, inconsistência.



E disse também que se o mesmo exercício fosse feito para o futuro, a referência imediata seria incerteza.



O programa breve que lhes proponho consiste, então, em perceber se entre a inconsistência do presente e o amontoado de incertezas em que às vezes se parece ter transformado o nosso futuro, existe algum espaço de afirmação positiva.



Recordo que a crise que vivemos é também uma crise de confiança. Uma crise de confiança dos cidadãos nas suas instituições. E, em tempo de crise, os tribunais assumem uma posição ainda de maior centralidade na estabilização das expectativas comunitárias na realização da justiça e na promoção da equidade.



Somos magistrados. A adversidade das circunstâncias não nos pode levar a desinteressar-nos do lugar simbólico dos magistrados e dos tribunais, como referências de justiça e de pacificação social.



A República estará definitivamente ferida, se num momento de graves dificuldades, não poder contar com os seus tribunais na realização do programa constitucional;



se os seus tribunais, nas decisões que tomarem, em vez de pacificarem, intranquilizarem;



se os seus tribunais, não forem capazes de afirmar a igualdade dos cidadãos perante o sistema de justiça e função estabilizadora do direito.



E é aqui, na realização desta função, que identifico o espaço de afirmação positiva e de restauração da confiança entre os cidadãos e aqueles que, em seu nome, administram a justiça.



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O memorando em que damos nota pública da actividade desenvolvida pelo Ministério Público no Distrito Judicial de Lisboa conforta-nos na certeza de que, apesar de todas as dificuldades, conseguimos alcançar o essencial dos objectivos a que nos propúnhamos.



O tempo médio de vida dos inquéritos, incluindo os contra desconhecidos - não chega aos quatro meses e, excluídos os inquéritos contra desconhecidos, não atinge os sete meses. Significa isto que o Distrito, na sua globalidade, está a cumprir a exigência de realização de justiça em tempo razoável, como preconizado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e na Constituição da República.



No segmento da pequena e média criminalidade, a resolução de mais de 57% dos inquéritos com indiciação positiva através das formas de processo especial e dos designados institutos de consensualização representa uma alteração da matriz de trabalho do Ministério Público na área criminal.



No crime grave e organizado, a alteração das metodologias de trabalho, através da concentração nos DIAP's, em particular no DIAP Distrital e, bem assim, a lógica de intervenção por fenómenos criminais e por grupos, tem tido resultados muito positivos.



Na violência doméstica, o estabelecimento de projectos de trabalho locais, envolvendo parcerias para o conhecimento com entidades externas, dotadas de capacitação para o apoio às vítimas, para a prevenção dos riscos e para a elaboração e execução de planos de protecção, generalizou-se no Distrito, significando a interiorização de que as várias dimensões do problema precisam de abordagem integrada e sistémica.



Estamos a trabalhar com a Direcção-Geral da Administração Interna na concepção de um instrumento de prevenção do risco.



O tempo de esclarecimento do crime mudou.



Hoje, ao contrário do que persiste em termos de opinião, todos os indicadores apontam consistentemente para uma melhoria qualitativa da capacidade de dilucidação, mesmo no que se refere à criminalidade económico financeira, segmento em que o nosso déficit de resposta será maior. Porém, ainda aí, a tempestividade com que foi possível concluir as investigações relativamente às situações criminais indiciadas nos mercados financeiros e o nível de esclarecimento dos factos devem, numa leitura objectiva, ser interpretados como uma alteração do padrão de resposta do MP.



A intervenção consistente e altamente qualificada do Ministério Público nos recursos dos processos contra-ordenação instaurados pelo Banco de Portugal e pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários é a outra face de um mesmo padrão de resposta activo, qualificado e dotado de elevado grau de diferenciação.



O projecto do Cibercrime, iniciado no Distrito e entusiasticamente apoiado por todos vós, foi elevado à categoria de projecto de interesse nacional e assumido pela Procuradoria-Geral da República. Era uma iniciativa imprescindível e inadiável. Continuará a desenvolver-se, mantendo o Distrito a velocidade a inicialmente projectada.



Na área de família e menores, depois de um ciclo centrado na área tutelar educativa - com enfoque nos fenómenos de criminalidade juvenil grupal e na violência escolar -, passámos para a promoção e protecção, na percepção de que as dificuldades das famílias poderão agudizar as situações de desprotecção de crianças e jovens. E foi já lançado o repto para analisarmos, em conjunto, a problemática da universalidade da protecção acordada às crianças e do seu confronto com registos culturais diferentes.



Na área laboral concretizámos um instrumento de articulação com a Autoridade para as Condições do Trabalho, tendo sido nesse âmbito desenvolvida a iniciativa do encontro em matéria de segurança no trabalho, que teve lugar em Junho. Está em curso um trabalho de uniformização de formulários e de informação básica, com vista a facilitar e a garantir a congruência das respostas institucionais.



Na área cível, prosseguimos o trabalho que a equipa sediada na procuradoria dos cíveis de Lisboa vinha desenvolvendo em matéria de defesa dos interesses dos consumidores, mais especificamente no segmento das cláusulas contratuais gerais. Assegurámos a defesa de interesses patrimoniais do Estado de valor relevantíssimo. Tomámos iniciativas visando a introdução, no ordenamento jurídico nacional, de instrumentos adequados a assegurar melhor a protecção de adultos em situação de incapacidade.



Cumprimos com esforço, rigor e honra as nossas funções.



Fizemo-lo num contexto de graves dificuldades, face à redução inopinada de efectivos, em resultado de múltiplas jubilações e aposentações de magistrados e oficiais de justiça; face à redução da capacidade de resposta informática; face às limitações na contratação de tradutores, intérpretes e peritos; face às dificuldades com os transportes entre serviços do mesmo ou de vários tribunais…



Continuaremos a fazer o melhor que formos capazes, porque isso nos impõe a nossa condição de magistrados e nossa consciência de servidores da causa pública.



Apesar de todas as restrições que nos atingiram, o verão manteve os seus compromissos connosco e revelou-se, generoso, como nos outros anos.



Vamos de férias.



Vamos renovar o encontro com o verão, desfrutando as suas belas cores e retemperando as energias, para termos condições para enfrentar as muitas incertezas que o futuro nos reserva e cumprirmos com dignidade as missões que a República, na sua Constituição, nos confiou.



Boas Férias!



Francisca Van Dunem