Directiva PGR. Código Penal. Alterações - Crime continuado.

DIRECTIVA

A Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que alterou o Código Penal, introduziu significativas modificações não apenas no que se refere à definição de novos tipos legais de crime e à reformulação de incriminações já existentes, mas também no que respeita a normas fundamentais da Parte Geral do Código.

Apesar deste seu carácter inovador, a específica natureza destas alterações do direito penal substantivo não tem suscitado, em geral, o nível de controvérsia que foi gerado por algumas modificações introduzidas, simultaneamente, no Código de Processo Penal.

Ocorreu, porém, uma modificação na “Parte Geral” do Código Penal que provocou polémica, inclusive nos meios de comunicação social e por parte do público em geral, afigurando-se, no entanto, que as críticas conhecidas não abalaram o entendimento firmado, ao longo de décadas, pela jurisprudência.

Referimo-nos ao novo n.º 3 do art.º 30º do Código Penal, que veio possibilitar, expressamente, a utilização da figura do crime continuado, em casos de prática plúrima de crimes contra bens eminentemente pessoais, estando em causa a mesma vítima, desde que, obviamente, se verifique o pressuposto fundamental daquele instituto – acentuada diminuição da culpa do autor.

Ora, sem entrar aqui em elaborações doutrinais mais aprofundadas, no âmbito duma matéria que integra os próprios princípios estruturais do sistema punitivo, há que reconhecer que a mera possibilidade da atenuação da punição em casos que poderiam ser punidos de acordo com as regras do concurso de crimes, justificará um particular cuidado na avaliação e valoração das circunstâncias factuais cuja verificação, no caso concreto, poderá implicar a punição a título de crime continuado.

Face ao exposto, cabendo ao Ministério Público um papel essencial na conformação do objecto do processo, tendo em vista o julgamento dos factos apurados e a aplicação do regime punitivo que se mostre mais adequado ao caso concreto, determinase,

nos termos do art.º 12º , n.º 2, alínea b), do Estatuto do Ministério Público revisto e republicado pela Lei n.º 60/98, de 27.08, que sejam adoptadas as seguintes orientações:

1. A eventual subsunção jurídica dos factos apurados à figura do crime continuado, prevista pelos n.º s 2 e 3 do art.º 30º do Código Penal, quando se verifique a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, dependerá sempre, nos termos da lei, da verificação de circunstâncias de facto que, em concreto, devam considerar-se como aptas a justificar um juízo de considerável diminuição da culpa do arguido;

2. Sendo assim, quando no inquérito se suscite a eventual verificação de uma situação de continuação criminosa, deverá proceder-se ao rigoroso apuramento, em concreto, dos pressupostos de facto de que depende a imputação da prática de crime continuado, quer no que se refere à exigível “homogeneidade da actuação” do arguido quer no que respeita à existência de uma “mesma situação exterior”, susceptível de diminuir consideravelmente a respectiva culpa;

3. Subsequentemente, se tais pressupostos estiverem inequivocamente apurados, os factos integradores da “continuação criminosa” deverão ser rigorosamente descritos na acusação, não podendo esta limitar-se à afirmação conclusiva da sua alegada verificação;

4. Caso não se revele possível, no momento do encerramento do inquérito, fundamentar, em factos concretos, a imputação da prática de crime continuado, nos termos atrás expostos, deverão os senhores Magistrados do Ministério Público abster-se de invocar esta figura jurídica, no âmbito das acusações que vierem a ser deduzidas.

Circule-se pelos Senhores ProcuradoresGerais Distritais e pela Senhora Directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2008

O PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA

(Fernando José Matos Pinto Monteiro)

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