Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de concorrência acompanha o entendimento do Ministério Público na Relação de Lisboa. OTOC. Autoridade da Concorrência. Reenvio prejudicial.

A Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou coima à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC) em razão de um regulamento relativo à formação, entendendo a AdC que o mesmo distorce a concorrência e viola o Direito da União.

A OTOC impugnou judicialmente a decisão da AdC, a qual foi confirmada pelo Tribunal do Comércio de Lisboa (TCom).

Desta decisão judicial, a OTOC recorreu para a Relação de Lisboa e nesta sede suscitou questão prejudicial a ser apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

O Ministério Público pronunciou-se, emitindo Parecer no sentido de haver violação do Direito da União, de o TCom ser competente em sede de 1ª instância e de a coima ter um valor equilibrado e proporcional - e em consequência de dever ser confirmada a decisão do TCom e improceder o recurso da OTOC

Foi o seguinte (em síntese) o Parecer o MP da Relação de Lisboa:

« Emitindo parecer, como nos cumpre cabe referir que o Ministério Público na sua resposta defendeu a manutenção do decidido.

A recorrente OTOC é uma pessoa colectiva pública, está sujeita às regras da concorrência e ao aprovar o Regulamento de Formação de Créditos decidiu como uma “associação de empresas” pelo que não foram violados os artigos 81º do TCE (artigo 101º nº 1 do TFUE) nem o artigo 4º da Lei 18/2003 de 11/6 (Lei da Concorrência).

Nos termos do DL 265/95 de 17/10 a recorrente é uma pessoa colectiva pública de natureza associativa que representa os interesses profissionais dos TOC nos termos previstos no referido diploma.

Como os TOC prestam onerosamente no mercado um serviço remunerado de forma dependente ou independente são considerados operadores económicos e exercem uma profissão liberal pelo que cabem na definição de “empresa” em conformidade com o disposto no artigo no artigo 2º da Lei 18/2003 de 11/6.

Este conceito de empresa não se confunde com o conceito utilizado no direito comercial e no direito fiscal.

Trata-se antes de um conceito quadro que abarca todos os sujeitos produtivamente relevantes: pessoas singulares, sociedades comerciais, sociedades civis, associações, fundações, cooperativas, entidades públicas e organizações de interesses não personalizados.

Este conceito de empresa torna-se uma baliza subjectiva no âmbito de aplicação das regras da concorrência transmitindo o propósito essencial do Direito da Concorrência.[1]

Por sua vez a noção de empresa para o direito da concorrência da União Europeia radica na ideia de entidade económica autónoma ou unidade económica.

Considera-se como empresa “qualquer entidade que exerça uma actividade económica independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de financiamento, isto é “qualquer actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado”.

As ordens profissionais e as câmaras profissionais são associações públicas[2] de entidades privadas formadas por membros de certas profissões livres com o fim de por devolução de poderes do Estado regularem e disciplinarem o exercício da respectiva actividade profissional.

Sendo a OTOC uma câmara profissional nada impede que ao aprovar através do seu Conselho Directivo o Regulamento de Formação de Créditos se possa considerar uma decisão de uma “associação de empresas.[3]”

Neste caso o que releva é que actue como uma “associação de empresas” independentes.

Assim sucede também com as ordens profissionais que mesmo que dotadas de estatuto de direito público como por exemplo a ordem dos advogados, são consideradas “associações de empresas” e as suas deliberações ou regulamentos são considerados “decisões de associações de empresas” sempre que constituam “ a expressão da vontade de representantes dos membros de uma profissão para que estes últimos adoptem um comportamento determinado no quadro da sua actividade económica”[4].

Todas as decisões de uma “associação de empresas” nomeadamente regulamentos, estatutos e outras deliberações dos seus órgãos sociais estão abrangidas pelo regime e pelas proibições do artigo 101º nº 1 do TFUE (ex-artigo 81º do TCE).

Deste regime só ficam excluídas as actividades inteiramente desprovidas de carácter económico e aquelas em que não exista qualquer autonomia decisória por parte da “associação de empresas”.[5]

O artigo 101º nº 1 do TFUE (ex-artigo 81º do TCE) no que respeita a “associação de empresas” tem como finalidade desde o início a prevenção de actuações associativas susceptíveis de interferir com o “processo competitivo” por exemplo estabelecendo barreiras à entrada de concorrentes ou facilitando a adopção de condutas de colusão (ou conluio).

Também o artigo 4º nº 1 da Lei 18/2003 de 11 de Junho prevê as práticas proibidas que tenham como finalidade impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência.

Nesta mesma norma estão também referidas as “decisões de associações de empresas”que em conjunto procuram adoptar um comportamento alinhado.

II.

Ficou demonstrado que existe uma actividade económica e lucrativa por parte da OTOC e dos TOC.

Deste modo em nada se distingue a sua situação da situação da Ordem dos Advogados, pelo que considerando-se o que antes foi referido quanto ao conceito de “empresa” e quanto ao conceito de “associações de empresas,” resulta claro que o regime aplicável é o do artigo 81º do TCE (artigo 101º nº 1 do TFUE) e o artigo 4º nº 1 da Lei 18/2003 de 11 de Junho, pelo que as três questões prejudiciais suscitadas pelo recorrente quanto à possibilidade de aplicação de outras disposições legais que nada têm a ver com a situação se afiguram inúteis e de rejeitar.

III.

O Regulamento de Formação de Créditos impediu, falseou e restringiu de forma sensível a concorrência.

O facto de estarem registadas pela recorrente um elevado número de outras entidades para efeitos de formação junto desta, não assume relevo para colocar em causa o que foi decidido na sentença recorrida, considerando-se a globalidade do comportamento da recorrente e a pouca utilização destas entidades em acções de formação por parte da recorrente.

De igual modo a discriminação efectuada quanto à formação com duração inferior a 16 horas por parte da recorrente foi bem ponderada na sentença recorrida uma vez que é evidente que as outras entidades só poderiam efectuar tal formação se ficasse demonstrado o seu interesse e relevância para a formação profissional da recorrente.

Parece evidente que a sentença recorrida quando analisou o teor do Regulamento de Formação de Créditos concluiu correctamente que o referido Regulamento ultrapassou em muito os objectivos inerentes à profissão criando um sistema de formação que teve como efeito restringir de forma sensível a representatividade do mercado português de formação dirigida a Técnicos Oficiais de Contas.

IV.

O Regulamento de Formação de Créditos da OTOC consubstanciando uma restrição da concorrência não se encontra justificado pelo regime consagrado no artigo 5º da Lei 18/2003 de 11/6 e no artigo 101º nº 3 do TFUE.

Este artigo 101º nº 3 do TFUE pressupõe que ocorram cumulativamente os rês requisitos legais enunciados na norma.

Tanto quanto a esta norma como quanto ao regime do artigo 5º da Lei 18/2003 de 11/6 o ónus da prova caberia ao recorrente que nada alegou quanto à comprovação de estar na situação de justificar as práticas proibidas.

V.

O Tribunal de Comércio é competente para declarar nulas e de nenhum efeito as disposições do Regulamento de Formação de Créditos da OTOC e para julgar a matéria em causa nestes autos não existindo qualquer interpretação inconstitucional do artigo 50º da Lei 18/2003.

Antes de mais o facto do Regulamento de Formação de Créditos resultar de uma decisão de uma pessoa colectiva de direito público não exclui a aplicação do regime da Lei da Concorrência e do TFUE.

Estando em causa matéria contra-ordenacional e não se tratando de ajuizar qualquer acto administrativo a matéria não é da competência dos Tribunais Administrativos.[6]

A competência do Tribunal de Comércio atribuída pelo artigo 50º da Lei 18/2003 tem como razão de ser a necessidade de estas matérias necessitarem de especialização relativamente ao controlo judicial.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou pela inexistência da inconstitucionalidade do artigo 50º da Lei 18/2003 quando interpretado no sentido de atribuir competência ao Tribunal de Comércio de Lisboa para apreciar a conduta de uma associação pública.[7]

Por outro lado o mesmo tribunal considera também que o contencioso das contra-ordenações deve ser excluído da jurisdição administrativa porque o processo contra-ordenacional está gizado à imagem do processo penal, pelo que a competência atribuída aos tribunais judiciais das impugnações judiciais não é atentatório da CRP. [8]

Improcedem portanto as referidas inconstitucionalidades.

VI.

A coima que foi imposta à recorrente mostra-se equilibrada e proporcional

Contrariamente ao referido pela recorrente esta não chegou a alterar o Regulamento de Formação de Créditos.

Deste modo os contactos que promoveu junto da AdC não podem ser considerados circunstância atenuante.

Pelo exposto e sem mais considerações emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso.

(processei e revi)

Lisboa, 27/9/2011

A Procuradora-Geral Adjunta »


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O Acórdão do TJUE pode ser consultado AQUI