Crime económico. Burlas como modo de vida. Casal condenado em penas de prisão de 10 anos. MP na Instância Central Criminal de Sintra.

Acórdão proferido no Pº 133/12.0JDLSB, da 1ª Secção da Instância Central Criminal de Sintra, Juiz 5, condenou um casal de arguidos, pelo cometimento de diversos crimes, cada um deles, na pena única de 10 anos de prisão.

Os arguidos, em união de facto há vários anos e progenitores de filho comum, ambos sócios de uma uma sociedade de consultoria financeira e de gestão - a CALCULO PRINCIPAL - que desenvolveu a sua actividade em Oeiras, no aconselhamento de pessoas endividadas, orientando-as na reestruturação e consolidação dos seus débitos, junto das entidades financiadoras, decidiram tirar partido da confiança que, por via disso, alguns clientes neles depositavam, para os defraudarem e se locupletarem com valores a que não tinham direito.



Ficou demonstrado em julgamento que:

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Os arguidos, durante os anos em que tiveram o escritório da sociedade Cálculo Principal em funcionamento e aberto ao público, alcançaram a confiança dos seus clientes para apoio na reestruturação de dívidas, na gestão de litígios com credores, beneficiando do bom nome que construíram por via da apresentação de alguns resultados satisfatórios na resolução de alguns créditos malparados.



Aproveitando-se de tal consideração quiseram, e lograram conseguir incutir junto dos clientes confiança, designadamente pela apresentação de discursos credíveis quanto às soluções e procedimentos a adoptar para reestruturação dos créditos, e de discursos seguros demonstrativos de conhecimentos na área financeira, fiscal e bancária, fazendo com que os clientes acreditassem nas soluções que apresentavam para a consolidação ou reestruturação dos créditos que os afligiam e sobrecarregavam financeiramente.

A solução, em regra apresentada pelos arguidos aos seus clientes com vista à consolidação dos seus créditos, passava pela obtenção de um novo financiamento bancário, destinado à aquisição de um imóvel que estivesse para venda no mercado, a um preço atractivo, de modo a que o valor mutuado lograsse ser superior ao valor da aquisição do imóvel, o que permitiria que o remanescente do empréstimo fosse destinado a liquidação imediata de alguns ou da totalidade dos créditos subjacentes à solicitação da consultadoria prestada.

Do mesmo modo, propunham aos seus clientes, que juntamente com o crédito para aquisição de habitação, quando o remanescente não fosse suficiente para liquidação de todos os seus créditos, solicitassem à instituição de crédito mutuária a concessão de créditos/mútuos multiopções.



Os arguidos faziam crer aos seus clientes que, de acordo com aquelas suas sugestões, em vez de terem diversos créditos dispersos, que acarretavam por mês vários pagamentos a realizar, estes passariam a suportar, no máximo, as responsabilidades inerentes a um ou dois financiamentos, com condições ao nível de spreads e taxas mais baixas do que os anteriores créditos entretanto liquidados na integra.

Os arguidos assumiam junto dos clientes a responsabilidade de diligenciarem pela obtenção dos documentos necessários à concessão e ao deferimento dos empréstimos requeridos, e a responsabilidade de procederem quando obtido e disponibilizado o dinheiro dos empréstimos/ou das vendas (nas situações em que aconselharam a venda de imóveis), ao pagamento dos créditos dos clientes, liquidando-os na integra, ou parcialmente consoante os valores disponíveis.

Os arguidos, no desempenho das suas funções de consultores financeiros, ficavam na posse de documentação pessoal dos clientes, nomeadamente cópias de Bilhete de identidade/Cartão de Cidadão, cartão de contribuinte, declaração de I.R.S, alegando ser essa documentação necessária para que tratassem, como trataram, junto das instituições bancárias, dos processos para concessão de empréstimos à habitação ou multi-opções.

Os arguidos, nos processos para obtenção e concessão de empréstimos bancários ou de créditos pessoais, privilegiavam as instituições bancárias (...) nos balcões sitos na Abrunheira, Oeiras, Sintra, por aí terem uma relação de maior proximidade com os gestores e funcionários de tais balcões, os quais muitas vezes lhes facilitavam a entrega da documentação necessária à abertura de contas, para instrução dos processos de concessão de crédito para que os arguidos diligenciassem pela aposição de assinaturas dos clientes, evitando que estes tivessem que se deslocar aos balcões das referidas instituições, bem



Como, nos anos de 2010 e 2011, nos referidos balcões facilitavam a indicação de parecer favorável para aprovação de empréstimos, ainda que as condições financeiras dos clientes dos arguidos não fossem as mais aconselháveis para esse efeito.

Os arguidos numa segunda fase, após a abertura de contas bancárias e da concessão dos respectivos empréstimos habitacionais ou multi-opções, ou da concessão de ambos aos seus clientes, ficavam, decorrente de solicitação que efectuavam junto dos clientes, na posse quer das cadernetas bancárias, ou dos códigos de acesso via internet às contas bancária afectas aos empréstimos,e onde eram aqueles depositados, o que lhes permitia, como permitiu, o acesso e a movimentação das contas dos clientes.

Os arguidos ficavam ainda na posse de alguns cheques, normalmente entre 3 a 5 cheques, os quais solicitavam aos clientes e que estes lhes entregavam já assinados, ficando os demais campos do cheque em branco, mediante a explicação que desse modo seria mais fácil procederem e diligenciarem pelo pagamento dos créditos que os clientes pretendiam liquidar, ou reestruturar, e que já tinham com eles previamente identificados, ou então explicando que se destinavam os referidos cheques em branco ao pagamento de despesas fiscais (IMI, Imposto de Selo), e junto da conservatória do registo predial, quando o mútuo obtido a favor dos clientes estivesse associada a hipoteca decorrente da aquisição de imóvel, sendo que, de acordo com os arguidos, desse modo não precisariam de incomodar os clientes para tratar da consolidação dos créditos

Deste modo, os arguidos (...) desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o último trimestre de 2009 e até Setembro de 2012, em conluio, e mediante plano previamente por ambos delineado e preparado, decidiram executar, e executaram um esquema assente na confiança neles depositada pelos clientes, que os procuravam enquanto consultores financeiros na Cálculo Principal, e, aproveitando-se de tal confiança, e da imagem de bons profissionais de que na altura possuíam no mercado imobiliário e de consultadoria consolidação de créditos, decidiram junto daqueles clientes que lhes parecessem mais crédulos, e facilmente manipuláveis, adoptar condutas para conseguirem, como conseguiram fazer suas, para satisfação dos seus interesses pessoais, parte dos montantes dos empréstimos concedidos e depositados nas contas bancárias daqueles clientes, aos quais como acima referido conseguiam aceder através do acesso via internet, através da utilização de cheques associados às contas bancárias na sua posse, ora ainda solicitando a entrega dos valores em numerário junto dos clientes.



E, com a consumação do esquema engendrado pelos arguidos em conjunto e em comunhão de esforços, os mesmos conseguiram locupletar-se de quantias depositadas nas contas bancárias de clientes, destinando-as à satisfação dos seus interesses pessoais,

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O tribunal considerou provados os factos relativos a 7 situações em que as vítimas, não só não solucionaram os problemas que os levaram a procurar os arguidos, como viram ainda a sua situação financeira muito mais agravada, acabando na insolvência ou perdendo perdendo a própria habitação.



Foram os arguidos condenados, cada um deles e como co-autor, de:



- 7 crimes de burla qualificada (2 deles em pena de 5 anos de prisão, por cada; e nos outros 5 crimes na pena de 4 anos de prisão por cada um deles);



- 1 crime de falsificação de documentos (na pena de 6 meses de prisão);



- 1 crime de burla informática qualificada (com a pena de 2 anos de prisão),



- um crime de falsidade informática (com a pena de 6 meses de prisão).



Em cúmulo, foram, cada um deles, condenados na pena única de 10 anos de prisão.



Foram ainda os arguidos condenados, solidariamente, em diversas indemnizações a favor dos demandantes, que deduziram pedidos cíveis.



Os arguidos encontram-se ambos sujeitos a medidas de coacção de carácter detentivo - ele em prisão preventiva e ela sujeita à obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica.



A decisão não se mostra transitada.



A investigação foi realizada pela PJ sob a direcção da 3ª Secção do DIAP de Sintra.