Caso da cegueira de doentes no Hospital de Santa Maria. Encerramento do Inquérito. Dedução de acusação. DIAP de Lisboa, 6ª secção.

O Ministério Público encerrou o inquérito e deduziu acusação contra duas pessoas no caso da cegueira de doentes no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, verificada no Verão do corrente ano.

O inquérito foi instaurado por iniciativa do Ministério Público, por despacho de 17.07.09, na sequência da pública notícia de factos ocorridos com as intervenções cirúrgicas nos serviços de oftalmologia do Hospital de Santa Maria.

Foi apurado que, em consequência de uma troca de produto ocorrida na fase de preparação do fármaco a utilizar, seis dos intervencionados com o suposto (mas não real) AVASTIN, sofreram lesões graves que produziram a cegueira, a perda de visão ou a afectação grave do sentido da visão.

Tendo em conta o conjunto de provas periciais, documentais, reais, pessoais, profissionais e circunstânciais recolhidas, foi deduzida acusação contra dois arguidos, um deles farmacêutico, a outra técnica de diagnóstico e terapêutica (área de farmácia), pela prática como autores, na forma de dolo eventual e em concurso real, de seis crimes de ofensa à integridade física grave, p.p. pelo art. 144º al. b ) do Código Penal.

A investigação revestiu-se de especial complexidade, só tendo sido possível este resultado através, designadamente, dos seguintes elementos de prova:

- Reconstituição do ciclo hospitalar de preparação do fármaco, sua origem e modo de funcionamento orgânico da Unidade Central de Produção de Citostáticos - UPC, produtos usados em tratamentos oncológicos e no caso do AVASTIN em tratamento off-label, com a inoculação ocular.

- Reconstituição do circuito interno na Unidade Central de Produção de Citostáticos - UPC e sua ligação ulterior com o bloco operatório;

- Informação clínica sobre a preparação do produto Becizumab em ordem à sua aplicação nos seis doentes intervencionados, informação clínica sobre a existência de alíquotas enquanto produto remanescente de citostáticos anteriormente usados e destinados a tratamentos oncológicos principalmente, como foi o caso;

- Análise do Manual de Procedimentos em arguidos dentro da aludida UPC – Unidade de Preparação de Citostáticos;

- Recolha da necessária informação clínica sobre as propriedades do AVASTIN-Bevacizumab, não só com base na bula do medicamento, como na prova produzida através da inquirição dos especialistas médicos – de oftalmologia e de oncologia;

- Levantamento clínico exaustivo sobre as patologias de cada um dos ofendidos à data da intervenção;

- Concreta reconstituição da preparação da prescrição médica para cada uma das intervenções clínicas, sua preparação na UPC e circunstâncias que originaram a troca do fármaco a utilizar nas intervenções cirúrgicas do dia seguinte;

- Reconstituição das alíquotas existentes à data, com base nos mapas elaborados sobre a produção de citotóxicos dos dias 10 a 16 de Julho de 2009.

- Produção de pareceres médicos periciais, quer pelo Professor responsável pela equipa de Oftalmologia do HSM , quer pelo Professor responsável pela direcção da Delegação de Lisboa do INML, sobre o estado actual de cada um dos intervencionados.

Com base no conjunto vasto de provas circunstanciais, documentais, reais, pessoais, periciais, ficou indiciado que, as graves lesões provocadas aos seis intervencionados, foram consequência necessária de um erro ocorrido na fase de preparação dos produtos citostáticos, dentro da UPC, por incumprimento das normas obrigatórias de preparação desses mesmos fármacos, imputável a cada um dos arguidos acusados.

A troca do fármaco (do AVASTIN por outro produto), uma vez ocorrida, não era perceptível pela equipa médica que fez as intervenções, apresentando-se o fármaco trocado, tal como o AVASTIN, como um líquido incolor e transparente. A troca terá sido provocada por falta de cumprimento dos deveres impostos pelo manual de procedimentos, originando a aplicação errada de um fármaco não destinado aquele fim, o qual uma vez inoculado directamente nos olhos provocaria, como sucedeu, lesão grave ou morte das células com produção de cegueira.

Na célere conclusão da investigação, o MP contou com a prontidão de recolha de provas por parte da PJ (Brigada de Homicídios), bem como com a colaboração institucional da IGAS, da Delegação de Lisboa do INML e do INFARMED, além da colaboração prestada pela administração do HSM e pela equipa médica de oftalmologia.

O responsável pela equipa de oftalmologia reuniu com celeridade toda a documentação clínica indispensável, que enviou ao MP acompanhada dos respectivos pareceres clínicos e a Delegação de Lisboa do INML apresentou, nos autos, os pareceres necessários, em tempo mínimo.

O inquérito correu termos na 6ª secção do DIAP de Lisboa, que tem competência especializada para os casos de notícia de crime na prestação de cuidados de saúde e foi deduzida em 14.12.2009 pela Procuradora da República que dirige a secção, coadjuvada por procuradora-adjunta da mesma unidade.